Utopia

Os bastidores de um grande programa de informação. Uma série sobre a forma como as notícias deveriam ser feitas. A assinatura de Aaron Sorkin. Jeff Daniels como protagonista, a Emily Mortimer a fazer de sidekick e o Sam Waterston de mentor. Fiquei rendida nos primeiros dez minutos do primeiro episódio.

Não vou fingir que não percebo parte das críticas: a série é previsível e o tom épico muitas vezes forçado e farçolas. Li imensas críticas, sobretudo após os painéis do Television Critics Association, em que os críticos nao pouparam Sorkin. A série não é perfeita e o Aaron Sorkin quando a descreve parece que fala de uma Grande Maravilha da televisão. ‘Newsroom’ não é a última coca-cola da produção televisiva, mas teve-me fiel e colada ao ecrã durante dez semanas. Porquê? Porque o que ali está é uma utopia.

‘Newsroom’ não versa sobre notícias saídas da cabeça de Sorkin. ‘Newsroom’ navega pelas  notícias que encheram cabeçalhos de há dois anos para cá. O que ‘Newsroom’ faz, de uma maneira que me comove e empolga (e sou completamente permeável aos jogos não tão complexos com que Sorkin nos manipula as emoções), é mostrar-nos o que os jornalistas podiam ter feito, as perguntas que deviam ter tentado responder e que, na verdade, se o fizeram foi para guardarem as conclusões para si.

Em ‘Newsroom’ fala-se de um jornalismo que assume o estatuto de quarto poder. Sem timidez, sem medos. Fala-nos de um jornalismo feito por pessoas com cultura (apesar das “confusões” com o D. Quixote – hei, quantos jornalistas nos nossos jornais sabem quem é Cervantes ou leram o D. Quixote?), com espírito crítico (essa qualidade tão olhada de lado, que nos permite ver além daquilo que nos é mostrado) e sobretudo com espírito de missão (Jim McAvoy, o protagonista assume que está “in a mission to civilize”).

‘Newsroom’ não se limita a envergonhar os jornalistas que se esquecem do seu papel, sublinhando a pequenez da maioria que enverga a carteira e se verga a números, audiências e interesses. Envergonha-nos a nós, todos, que preferimos discutir a vida (ou desejos de morte) da Sónia Brazão, os devaneios do José Castelo Branco, os cursos do Relvas, e nos demitimos de perceber o mundo que nos rodeia (seriously, basta abrir o Facebook e ler meia dúzia de comments sobre troika, governo e afins para termos claro que muito poucos percebem o que quer que seja sobre a “crise”).

Achar que as coisas podem ser feitas como MacKenzie McHale (Mortimer) as quer fazer, pode ser um pouco ingénuo. Mas se tentássemos, podiamos ter um mundo melhor. E o ‘Newsroom’ vale por isso. Pelo esboço que faz de um mundo com vontade de ser melhor.

 

Esta entrada foi publicada em Uncategorized. ligação permanente.

Deixe um comentário