Ontem fui ver o Alemanha-Itália a um restaurante de italianos. No final, entoavam-se cânticos de “A Alemanha fora da Europa!”, para gáudio da tropa fandanga que vestia de azul.
A questão essencial foi a que se seguiu. O único alemão presente, trajado impecavelmente com o último artigo Adidas concebido para a Mannschaft, perante a impertinência dos cânticos, lançou um amargurado “E quem é que fica com o poder todo? Vocês?”, deixando cair a máscara que a potência germânica tem tentado manter durante as últimas décadas.
Não quero dizer que estejamos perante um regresso ao nazismo, nada disso, mas o alemães, quais cigarras trabalhadoras a que ninguém deu o devido valor, viram chegar o Inverno sobre a Europa e acham que agora é o seu momento de comprar a alma das formigas. Nenhum país com aquela dimensão, aquele historial, aquela cultura, pode viver muito tempo sem um projecto de hegemonia cultural e económica. A França, o Reino Unido, a Alemanha e a Espanha serão sempre países que procuram um ascendente. Está-lhes na massa do sangue. E o ascendente, neste momento, tem-no a Alemanha. Como os Estados Unidos, a China, o Japão, a Rússia ou o Brasil. Não é pecado único da Alemanha, não se pense.
Mas é precisamente por isso que se torna interessante a concepção de uma Europa sem o portento alemão. Muito se tem falado, principalmente nos corredores de Berlim, de deixar países cair para fora de Europa, uma espécie de solução darwiniana da crise. A Grécia, uma desgraça de despesismo e irresponsabilidade, vai em primeiro; Portugal, que também não fez o seu trabalho de casa a tempo, não merece castigo diferente. É a maneira obtusa de ver o mundo de quem sempre fundou a sua cultura numa lógica mecanicista de trabalho/recompensa, crime/castigo. E eu não tenho nada contra. Acho que é uma cultura que assenta muito bem aos alemães, pelo amor de Deus. Só não cabe é a nós. E o problema com querer provocar hegemonias é que se acaba por tentar justapor uma cultura sobre outras, como se isso fosse assim tão fácil. Nunca é.
É por isso que me apela a ideia de uma Europa sem Alemanhas, Franças, Castelas ou Inglaterras. Uma Europa com espaço para as culturas europeias. Todas. Sem que alguém se arrogue mais digno de mandar do que os outros, mais preparado que os demais para ser o titular do poder. Um projecto sem exclusivismos. Um projecto sem liderança, mas sim um projecto com lideranças. Uma verdadeira União, fundada no respeito, na partilha e na solidariedade entre os povos europeus. Todos. Incluindo nós.
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